Compartilho com vocês hoje um artigo,
publicado na Revista Brasileira de Otorrinolaringologia referente ao uso da
chupeta em crianças. Vale a pena ficar atento!!!
Bjuss
Presença de desconforto
na articulação temporomandibular relacionada ao uso da chupeta.
Juliana de Paiva
Tosato; Daniela Ap. Biasotto-Gonzalez; Tabajara de Oliveira Gonzalez
Rev. Bras.
Otorrinolaringol. vol.71 no.3 São Paulo May/June 2005
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72992005000300017
INTRODUÇÃO
A articulação temporomandibular (ATM)
constitui a ligação móvel entre o osso temporal e a mandíbula1. É
uma articulação do tipo sinovial, que se inter-relaciona anatômica e
cinesiologicamente com as articulações adjacentes e da coluna cervical2.
Disfunções nessa articulação são
resultado de seu funcionamento anormal e podem aparecer por diversos motivos,
como alterações posturais, desarmonia do côndilo com o disco, parafunções,
fatores psicológicos, alterações proprioceptivas, decorrentes de desequilíbrios
oclusais, entre outros3.
As disfunções da articulação
temporomandibular (DTM) são descritas por Siqueira & Ching4 como
um grupo de condições dolorosas orofaciais com alterações funcionais do
aparelho mastigatório. Essas disfunções podem levar a diversos sinais e ou
sintomas, estando em muitos casos, presentes dores musculares nos masseteres e
temporais, dores articulares, dores de ouvido, entre outros5,6.
Estas disfunções na ATM são mais
freqüentes no sexo feminino; Correia7 e Ramos8 e
Souza9 mostraram que 97,9% das alterações ocorrem em mulheres e
são acompanhadas de sinais e ou sintomas característicos.
Geralmente, problemas nessa articulação
são descobertos na fase adulta, porém eles podem começar cedo, ainda na
infância, e estarem relacionados com hábitos da criança. A sucção, considerada
um hábito nutritivo até os três anos de idade e vicioso após esta idade, têm
sido tema de estudo, por tratar-se de um hábito comum e pelos danos que pode
causar10,11.
Alamoudi et al.12 mostraram
que os distúrbios funcionais do sistema mastigatório são comuns em crianças e
adolescentes, e tendem a aumentar na fase adulta. Thilander et al.13 colocam
que as disfunções temporomandibulares em crianças também apresentam etiologia
multifatorial, podendo citar hábitos parafuncionais e alterações oclusais que
influenciam na função natural da musculatura mastigatória.
Assim, atividades parafuncionais como o
uso da chupeta, normalmente mais visto em meninas14, podem ser
desencadeadores de disfunções na articulação temporomandibular, por causarem
mordida aberta anterior, retrusão da mandíbula, protusão do maxilo,
sobremordida excessiva, vestíbulo versão de incisivos superiores, mordida
cruzada posterior, palato ogival e deformidades angulares15.
Martins et al.16 concluíram
que em um estudo realizado com crianças entre dois e seis anos de idade, que o
hábito de sucção de chupeta pode desencadear anomalias na oclusão dentária.
Cavassani et al.17 encontraram
distúrbios articulatórios em 55,56% da amostra estudada, a qual era formada por
crianças entre cinco e nove anos de idade, que apresentavam hábitos orais
viciosos de sucção.
Sendo assim, nota-se que os hábitos
orais, freqüentes em crianças, desequilibram o sistema estomatognático, e podem
aparecer como fator etiológico de disfunção temporomandibular. Com isso, o
presente estudo teve por objetivo analisar se o tempo de uso da chupeta
influenciava no aparelho estomatognático em crianças que não apresentavam
outros hábitos parafuncionais.
MÉTODO
Antes da coleta dos dados, o projeto
foi encaminhado ao Comitê de Ética da Universidade de Mogi das Cruzes. Após
aprovação, foi pedida autorização às diretorias de dois colégios (uma escola
particular e uma escola pública, ambas da mesma cidade, na Grande São Paulo).
Já com essa autorização, foram explicados a mães de 150 crianças os objetivos
da pesquisa, e estas assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram incluídas no estudo todas as
crianças as quais as mães responderam o questionário por completo, e que não
apresentavam outros hábitos parafuncionais além do uso da chupeta verificado
através do questionário. Foram excluídas as crianças as quais as mães não
fizeram o preenchimento completo dos questionários ou não quiseram responder o
mesmo, e as crianças que apresentavam outros hábitos parafuncionais além do uso
da chupeta, como chupar o dedo, ranger ou apertar os dentes, roer unhas ou
mascar chiclete.
Os questionários foram entregues para
as mães, com um folheto explicativo sobre disfunção temporomandibular, e
telefone para contato em caso de dúvidas.
Após análise dos resultados, 60
crianças foram excluídas por apresentarem outros hábitos parafuncionais. Foram
incluídas no estudo 90 crianças, entre três e sete anos de idade, sendo 49
meninas e 41 meninos.
O questionário iniciava com a coleta
dos dados pessoais, e era composto das seguintes perguntas:
1. Se a criança apresenta dor na
articulação temporomandibular;
2. Se a criança apresenta cefaléia;
3. Se a criança apresenta dor no
ouvido;
4. Se a criança apresenta cansaço ao
mastigar os alimentos;
5. Se a criança apresenta dificuldade
ao mastigar os alimentos;
6. Se a criança usou chupeta e se sim,
até que idade;
7. Se a criança chupa o dedo;
8. Se a criança range ou aperta os
dentes;
9. Se a criança rói unhas;
10. Se a criança masca chiclete.
Para análise dos resultados, as
crianças foram divididas em três grupos, de acordo com o tempo de uso da
chupeta:
- Crianças que não usaram chupeta (33
crianças);
- Crianças que fizeram uso de chupeta até dois anos de idade (14
crianças);
- Crianças que fizeram uso de chupeta até mais de dois anos de idade (43
crianças).
Análise dos resultados
Após as avaliações foi calculado o grau
de correlação entre as variáveis colhidas, tempo de uso da chupeta. Para se
medir e avaliar o grau de relação existente entre as variáveis aleatórias foi
utilizado o Coeficiente de Correlação de Pearson18. Para o cálculo
deste coeficiente utilizou-se a seguinte fórmula:
O campo de variação do Coeficiente
"r" situa-se entre -1 e +1, sendo que sua interpretação depende do
valor numérico e do sinal.
Valor de Alfa
Foi utilizado o valor de alfa (a) igual
0,05 no teste estatístico para rejeitar a hipótese de nulidade.
Este objetivou verificar se o tempo de
uso da chupeta alterava a prevalência de sinais e ou sintomas de disfunção
temporomandibular. Estes dados são demonstrados na Tabela 1.
RESULTADOS
Entre as crianças que não usaram
chupeta, 32,2% apresentaram alguma dor; 17,7% cansaço ou dificuldade ao
mastigar os alimentos; e 5,8% dor, cansaço e dificuldade na mastigação. Das
crianças que usaram chupeta até dois anos, 15,3% apresentaram dor e 7,6% cansaço
ou dificuldade ao mastigar os alimentos. Já entre as crianças que fizeram uso
da chupeta até mais de dois anos, 34,8% apresentaram alguma dor; 13,9% cansaço
ou dificuldade ao mastigar e 2,3% dor, cansaço e dificuldade na mastigação,
como demonstrado no Gráfico 1. Quando se aplica o Coeficiente de
Correlação de Pearson, observa-se que entre as crianças que não usaram chupeta
e aquelas que usaram até dois anos (24 meses), o aumento do tempo de uso da
chupeta diminui de maneira significativa a média do número de sintomas de
disfunção temporomandibular (r = -1,00). Já depois dos dois anos (sendo que foi
considerado até 84 meses, pois foi o máximo de tempo de uso encontrado nos
voluntários avaliados), o aumento do tempo de uso da chupeta aumentou também de
forma significativa a média do número de sintomas de disfunção
temporomandibular (r = 1,00) (Tabela 1).
Notou-se também maior prevalência de
sintomas de disfunção entre as meninas do que entre os meninos. Das meninas
entrevistadas, 53% apresentavam dor ou desconforto na região da articulação
temporomandibular; já entre os meninos, 39% apresentaram algum sintoma de
disfunção.
DISCUSSÃO
Após a análise dos resultados obtidos através dos questionários respondidos
pelas mães das crianças, como feito em outros estudos, que demonstram que há
validade nas respostas dadas pelas mães19, notou-se alta prevalência
de dor ou desconforto no aparelho estomatognático, mostrando que as disfunções
temporomandibulares constituem um distúrbio comum entre as crianças.
Verificou-se uma maior prevalência de
sintomas de disfunção temporomandibular nas meninas, o que condiz com a literatura,
que mostra uma incidência maior dessas disfunções no sexo feminino7-9.
Foi possível observar também correlação
significante entre o tempo de uso da chupeta com o aparecimento dos sintomas
entre crianças que não apresentavam outros hábitos parafuncionais. Dor ou
cansaço/dificuldade ao mastigar os alimentos apareceu principalmente naquelas
que não usaram chupeta ou fizeram esse uso até mais de dois anos. Assim, a
falta da chupeta pode fazer com que a criança não prepare sua musculatura
mastigatória, apresentando fadiga ao mastigar alguns tipos de alimentos.
Felício20, mostra que a sucção é um exercício muscular necessário,
que prepara língua, lábios e mandíbula para a mastigação. Sendo assim, se a
musculatura não estiver preparada, quando os alimentos sólidos são introduzidos
na dieta da criança esta pode apresentar fadiga muscular, a qual pode ser
responsável pelo aparecimento de dor.
Já o uso excessivo da chupeta pode
ocasionar alterações da oclusão21, distúrbios miofuncionais ou
interposição lingual, interferindo na biomecânica da articulação
temporomandibular. Isso também gera dor, e essa dor pode ser o fator
desencadeante do cansaço e da dificuldade ao mastigar.
Frente aos resultados obtidos, é
verificável que a chupeta pode ser importante por fazer com que a criança
realize movimentos de sucção, preparando-a para a introdução de alimentos
sólidos22. Porém, se usada por tempo prolongado, pode prejudicar a
articulação e, conseqüentemente, a qualidade de vida da criança.
CONCLUSÃO
Foi possível concluir que o tempo de uso da chupeta influenciou na prevalência
de sintomas de disfunção temporomandibular de forma significativa.
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